terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O homem da bateria


Eu não gosto de moelas e pronto.
Embora reconheça que uma pratinho de moelas bem decorado e apresentado, cheira bem e é apetitoso.

O mesmo se passa com barbas.
Reconheço que uma barba bem cuidada, no rosto certo, confere à personalidade um ar distinto, cavalheiresco e gentil.
No entanto... não gosto de barba e pronto.

Também não sou por aí além apreciadora de música jazz mas... assisti ao espectáculo, gostei bastante e só no fim dele é que... descobri que era musica jazz.
Dos intérpretes naturalmente sóbrios, destacava-se o baterista: um miúdo lindo com cabelo à Jesus Cristo, loirinho e com uma expressão facial que irradiava simpatia e gosto pela sua actividade.
Eu não lhe daria mais que uns 14 anitos.
Encantador. O meu menino também adora baterias.
Deve ser paranóia de mãe mas, cada vez que vejo um jovem a fazer algo bonito ou bem feito penso logo que poderiam ser assim os meus filhos.
Perdida em pensamentos do género ao som da música, sinto carregar no ombro esquerdo... um segredo da minha menina “mamã, o homem da bateria é mesmo bonito com aquela pêra”. Por momento fiquei perplexa: “não é um homem filha, é um rapaz”. “Tá bein” -respondeu-me
Para mim um miúdo... para ela um homem.
Lá vi então a barbinha loira... mas... e os 14 anos?
Talvez já tenha mais alguns em cima.

O 30 anos de diferença que tenho da minha filha, que não se notam a ver filmes da Barbie, que não se notam a vestir Nenucos, que não se notam a brincar com as flores... notam-se na forma como vemos os outros e talvez se notem ainda mais quando... quando ela começar a excluir-se dos festejos do dia 1 de Junho e para mim continuar a ser uma criança.

Tenho medo e tenho saudades.
Medo do futuro, saudades do passado.
E para cúmulo, cúmulo dos cúmulos...
Tenho saudades do presente.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Um dia a menos


Quando eu era pequenina dizia que ela era a minha tia preferida e adorava ir a sua casa.
Tinha sempre um lanche com chá e fatias douradas.
O chá era servido em chávenas e as fatias douradas eram quentinhas.
Tudo era degustado na mesa do barracão onde havia uma chaminé de fazer lume e pilhas de grades de cerveja Cergal e de sumo com um nome que agora não me lembro.


Os seus bolos eram muito famosos nas conversas em minha casa mas nunca a tinha visto fazer nenhum, até um dia.
Nesse dia via-a pegar na forma e untá-la com banha.
Até parecia mal untada com pequenos nózinhos de banha mal espalhada. Os ingredientes foram misturados sem grande cerimónia, despejados para a forma e enfiados no forno.
Sinceramente, no meu entender de criança, não dei muito por aquilo mas... ainda hoje, já com a memória do momento um pouco desvanecida pelo tempo, me parece impossível com foi possível o bolinho ter saído tão bom, nem cru nem queimado, e ter saído tão bem da forma.
Quem tem talento, tem mesmo.

Agora ela foi embora e não vão ser as lágrimas que já derramo, as orações que poderei rezar, ou as flores que poderei levar-lhe, que vão permitir-me viver com ela os momentos que podia ter vivido e não vivi.
Porquê?
Porquê é que no meio das nossas actividades diárias não encaramos verdadeiramente de frente a realidade de que um dia tudo vai embora e depois não há mais hipótese?
As pessoas que temos não são um dado adquirido que teremos sempre e podemos deixar para amanhã. Não, não são.
Estou tão triste, tão desgostosa.

Estou mais pobre.