sexta-feira, 4 de maio de 2007

Ser velho

Para mim, chamar velho não é depreciativo.
Para mim, dizer idoso é tapar o sol com a peneira.
A palavra velho é como todas as outras, depende do tom e intenção com que é dita.
A maldade não está nas palavras, mas sim no propósito de quem as pronuncia.
Acho eu.

Sempre imaginei que para ser velho e feliz, é preciso coragem.
É preciso pôr de lado sentimentos de poder e por vezes saber amar sem esperar manifestações de retorno.
Lembro-me de começarem a proliferar os lares, aqueles lares cuja mensalidade chega a custar 4 ou mais meses da reforma.
E eu pensei que seriam um paraíso.
Um paraíso para quem tem dinheirinho ou... muitos filhos que dividam a mensalidade.

Terça-feira passada visitei um desses lares.
È lindo!
Tem um jardim com um lago com repuxo.
Tem uma gaiola de passarinhos e um hamster.
E não vi tudo porque o tempo estava mau.

Mas, sejam as coisas lindas ou não, elas só o são caso o nosso coração assim o veja.

Ao abrir a porta para a amplíssima sala de estar, muito bem iluminada e limpa, senti um peso tão grande por baixo das minhas sobrancelhas. A base do nariz apertou repentinamente e tive que fazer força suprema para que as lágrimas jorrassem secas e invisíveis.
Deixando no meu caminho um rio de lágrimas secas e com um sorriso estampado no rosto, procuro no meio deles a minha tia, que não via à cerca de seis anos.

Um senhor sentado junto à janela empurrava um bolinho para debaixo do seu bigodinho.
Uma senhora cujas poucas rugazinhas deixam ainda espreitar um rosto que se adivinha ter sido de uma beleza real, lê uma carta escrita à mão dos dois lados da folha. Não pareceria sequer “apropriada” para aquele sítio, não fosse o andador que mantém a sua frente.
Uma outra senhora, cujo cabelo e colares pendentes em seu pescoço deixam antever uma esmerada educação, tira do talego a sua rendinha que vai fazendo.

“Ela é muito educada” – diz a minha tia.
E morava no monte onde eu cresci.

Nunca na minha vida tinha visto tanto velho junto.
Nunca se me tinha apresentado na frente dos olhos a imagem do meu futuro mais longínquo.
Muito, mas mesmo muito longe, de ser uma imagem desolante, foi uma imagem que me sensibilizou.
A moça que servia o chá, não sei se por gosto ou porque foi o trabalho que conseguiu arranjar mas, o sorriso com que o faz e a doçura de voz com que se lhes dirige deixam transbordando de amor os seus olhos de cor azul.

Onde estarei eu quando tiver a idade deles?
Também terei uma sala ampla e bem iluminada e virão até mim um copo de chá e um bolito pela mão de uns olhos azuis ternurentos?
Será que, no meio deles mas como ser igual, derramarei igualmente dos olhos um rio seco?
Será que terei uma carta para ler... pelo menos?

Ou será que passo a vida toda a correr atrás do futuro, para quando lá chegar sómente me alimentar do passado?
Tenho medo.
Tenho muito medo, não de envelhecer, mas sim de não saber envelhecer.

12 Comments:

Blogger María said...

Subscrevo....tenho pavor só de pensar nisso...Bjnhos

05 maio, 2007 14:26  
Blogger Omeupititxoco said...

É bem verdade... não pensamos nisso porque pensamos que esta é uma realidade que ainda está muitoooooo longe, mas quando somos confrontados com situações como esta que descreveste...aí sim, dá um arrepio... concordo inteiramente contigo, não é medo de envelhecer...é pensar como iremos envelhecer... Espero pelo menos ter um espaçosinho jeitoso para estar e uma vista que não me aborreça muito :-) E de preferência estar no meu juízo quase perfeito, tenho mais medo da decadência "mental" do que da física.
Jocas

05 maio, 2007 19:22  
Blogger Docinho said...

Acho que todos sentimos isso... medo de não saber envelhecer e medo de não aproveitar ser novo!

Beijos a concordar

07 maio, 2007 11:36  
Blogger Carina M said...

Acho que o saber envelhecer é o verdadero segredo para uma velhice feliz. Vivo numa aldeia onde tudo se sabe e tudo se fala, e as histórias que para ai não há de velhinhos, que por nada deste mundo querem ouvir falar em lar. è certo que muitos filhos acabam por usar o lar como um despejo para os pais, mas aqueles pais que educaram verdadeiramente os seus filhos e que souberam envelhecer, encaram a ida para o lar como mais uma etapa da vida deles. Esses velhos admiro, não aqueles que fazem a vida negra aos filhos por quererem ficar na casa deles a todo o custo nem que seja sozinhos. No infantário onde anda a minha filha tb é lar e centro de dia. Como tal cruzu-me muitas vezes com os velhinhos que são uma simpatia e tb vejo que as funcionárias são umas prifissionais de mão cheia. A mha filha uma vez por semana faz-lhes uma vista onde conta histórias ou canta etc, e os velhinhos adoram as visitas dos mais pequenos, e eu acho salutar esta convivencia pois educo a minha filha para que respeite os mais velhos. Ainda bem k o lar que visistas-te é dos incluidos nos bons lares pois até doi o coração imaginar o que para ai vai de maus lares. (desculpa o testamento)
Bjs

07 maio, 2007 11:37  
Blogger Maria Vicente said...

onde estaremos nós?
boa perqunta.....um dia seremos velhinhas e vamos concerteza lembrar os momentos mágicos q passamos na vida, entre eles, as conversas ainda que virtuais com os amigos.....assim espero....
tudo de bom

07 maio, 2007 16:42  
Blogger Ana said...

Eu vejo a velhice de um modo muito pouco romantico, quando andava a estudar em Lisboa trabalhei num lar, ganhava bem mas so aguentei 3 dias, nao suportava ver os velhotes ali abandonados a espera que alguem da familia os fosse ver.
Nao vejo a velhice como um estado natural da vida que chega ao fim, vejo-a como um castigo da natureza.
Eu sim, sei que nao vou saber envelhecer.

08 maio, 2007 15:25  
Blogger Patricia said...

Adorei ler o teu texto... está cheio de sentimento, e até me fez emocionar.
E pensar que vivemos a pensar no futuro e quando lá "chegamos" só queremos voltar ao passado é realmente muito aterrador...
Eu não acho que os lares sejam uma coisa negativa ou má, eu sou a favor: é preferível que os velhotes estejam num sítio onde são tratados e têm companhia do que sozinhos em casa - mas sempre com o apoio (em todos os sentidos e incluíndo visitas) da família.

08 maio, 2007 15:56  
Blogger keridalindinha said...

Vive um dia de cada vez! A minha mãe trabalha num lar há muitos anos, e sei bem do que falas! Posso dizer-te que há pessoas que nem a visita de um familiar no natal recebem... Outras recebem a desejada visita todos os dias, sei lá... Tantos, tantos casos, mas quem lá trabalha garanto-te além de um grande estômago tem que gostar do que faz e tratar as pessoas como bebés grandes que é o que são!
Beijinhos.

08 maio, 2007 16:19  
Blogger Enfim... said...

exactamente o problema é mesmo esse é não saber envelhecer, tambem tenho muito medo, eu imagino-me com 70 anos e toda para a frente mas nunca se sabe mas era assim que gostava de ser

Bjkas

O post esta mt fixe, gostei do tema

08 maio, 2007 19:51  
Blogger Ana Isabel said...

Miga fiquei emocionada com o teu texto.
Nesta altura ainda n pensamos mt nisso, pq achamos que ainda falta mt tempo até lá chegarmos, mas na verdade é q o tempo passa a correr.
Por vezes tb me ponho a pensar se "saberei" envelhecer.
Beijinhos

09 maio, 2007 11:58  
Blogger Sonia said...

sabe smaria joao conseguiste por em palavras aquilo que sinto.... o meu maior medo nao é chegar a velha mas chegar lá ficar agarrada a um pasasdo que nao vivi intensamente.... passamos a vida a falar no futuro e como será esse futuro??? tenho medo de chegar lá olhar para tras e verq ue muito ficou por viver.... e estes nossos filhos que sao bébés... como serão na idade adulta??? irei conseguir educa-lo para valorizar estes velhos que é como tu dizes tudo depende da maneira como é pronunciada a palavra-
velho= a riqueza em experiencia, pessoa sábia ..

09 maio, 2007 17:00  
Blogger Smas said...

Só li este post hoje e por motivos pessoais tocou-me muito.
A minha avó está num lar de dia e para me satisfazer diz que gosta de lá estar mas eu sei que não é verdade, para ela é um sítio onde a despejam por não poderem estar com ela e eu estou longe...
Só sei que a saúde dela se deteriou bastante nestes 2 meses que foi para lá, como se tivesse desistido de tudo. Não merecia, mas eu não consigo fazer melhor.
Acho que me sentirei revoltada quando envelhecer ao ponto de não conseguir fazer as minhas coisas.
Bjs e desculpa o testamento

05 junho, 2007 03:16  

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